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TERRAMÉRICA – Bomba relógio nuclear

10/09/2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010


Por Risto Isomäki*

Os resíduos radioativos guardados atualmente debaixo da terra podem se converter em enormes arsenais atômicos dos Hitler de amanhã.

Helsinque, Finlândia, 26 de julho (Terramérica).- Depois de décadas de preparação e pesquisas, os Estados Unidos abandonaram seu plano de armazenar resíduos nucleares na montanha Yucca, no Deserto de Nevada. Por outro lado, Finlândia e Suécia levam adiante seus próprios planos e pretendem colocar seu combustível esgotado em cilindros de ferro e cobre que serão enterrados em um leito de rocha.

A empresa finlandesa Posiva está construindo um vasto sistema de covas dentro de uma formação rochosa perto do complexo de energia nuclear Olkiluoto, no Golfo de Botnia, oeste do país. A firma acredita que o sistema de covas Onkalo seja capaz de armazenar de forma segura, pelo menos por cem mil anos, o combustível nuclear usado pelos geradores da Olkiluoto.

Quando o combustível é retirado do reator, e depositado em uma pilha de esfriamento, está muito quente e tem cerca de um bilhão de vezes mais radioatividade do que o urânio natural. Depois de cem anos, o combustível nuclear é cem mil vezes mais radioativo; após mil anos, cinco mil vezes, e depois de cem mil anos apenas 200 vezes mais radioativo do que o urânio natural.

Na ocasião, as substâncias naturais existentes na crosta terrestre produzirão, para cada quilômetro quadrado, mais decomposições radioativas do que um depósito de combustível nuclear como Onkalo. Porém, há um problema mais grave, que é ignorado pelas autoridades encarregadas pelo controle nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e as empresas de energia nuclear.

Entre os resíduos radioativos, existem também cerca de 20 ou 30 quilos de plutônio para cada tonelada de combustível nuclear usado. O plutônio pode ser separado do urânio por métodos químicos, desenvolvidos no Século 20. Cada país que possui combustível nuclear usado pode fabricar uma bomba atômica simplesmente dissolvendo as barras de combustível em ácido e extraindo o plutônio.

Outro método de fazer uma bomba é enriquecer a proporção do isótopo fissionável 235 no combustível de urânio. Isto é muito mais complicado porque os diferentes isótopos não podem ser separados por meios químicos. Quando os cientistas a serviço de Adolf Hitler tentaram isso na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), só conseguiram enriquecer o conteúdo do urânio 235 de 0,7% para 1,5% em um grama de gás hexafluoreto de urânio.

Como seriam necessários 400 quilos com um conteúdo de 20% de urânio 235 para fabricar uma pequena bomba nuclear, nem mesmo se aproximaram desse objetivo. Com plutônio poderiam ter conseguido em questão de meses ou semanas. A Finlândia, por exemplo, planeja enterrar 11 mil toneladas de combustível nuclear usado, suficientes para obter dezenas de milhares de bombas atômicas como a lançada sobre Nagasaki, em um sistema de covas cuja localização exata é de domínio público.

Além disso, o plutônio se torna mais perigoso, e não menos, na medida em que passam os anos. Quando o combustível nuclear é enterrado, contém entre 65% e 70% do isótopo 239, ideal para fabricar armas nucleares. Inclusive este tipo de plutônio usado em reatores pode ser empregado para uma bomba, mas outros exóticos de plutônio (238, 240 e 241) são causadores de uma série de complicações, embora tenham uma vida média mais curta do que a do 239.

Isto significa que o plutônio em um depósito de combustível usado se torna naturalmente enriquecido, convertendo-se primeiro em plutônio apto para armas, “de grau de armamento”, e depois em plutônio de grau de reator. Finalmente, se transforma em plutônio 239 quase puro e só uma minúscula quantidade é suficiente para a primeira fase de uma arma nuclear maciça de duas ou três fases.

Os Hitler, Stalin ou Gengis Kan do futuro buscarão sem descanso os depósitos de combustível nuclear gasto, com ajuda de geólogos, antropólogos, historiadores e aparelhos como espectômetros e contadores Geiger. Ter acesso a uma câmara do tesouro como Onkalo, depois de dez mil ou cem mil anos, permitiria fabricar um enorme arsenal nuclear e asseguraria o domínio do mundo a um futuro Hitler. É este o legado que queremos deixar para as próximas gerações?

* O autor é ambientalista e premiado escritor finlandês, e seus romances foram traduzidos para vários idiomas. Direitos exclusivos IPS.

Crédito da imagem: Claudius
(Envolverde/Terramérica)

A bomba que mudou o mundo

27/08/2010

Heitor Scalambrini Costa
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco

Com a famosa frase “meu Deus, o que foi que nós fizemos”, pronunciada por
um dos tripulantes do avião que conduziu o artefato nuclear sobre
território japonês, o mundo relembra os 65 anos do lançamento das bombas
atômicas durante a Segunda Guerra Mundial, ambas pelos Estados Unidos
contra o Japão, detonadas nas cidades de Hiroshima (6 de agosto de 1945) e
Nagasaki (9 de agosto de 1945). O poder de destruição das bombas foi
imenso, ao menos 200 mil morreram em Hiroshima e 100 mil em Nagasaki,
iniciando, assim, a chamada era nuclear. Esses acontecimentos devem ser
lembrados sempre por sua brutalidade e impunidade.

O Japão, único país a ter sido bombardeado em duas ocasiões com armas
nucleares reclama há anos a abolição das armas de destruição em massa. A
detonação de uma bomba nuclear provoca danos imensos. O grau de destruição
dependerá da distância de onde o centro da bomba é detonado, chamado de
marco zero (podendo chegar nesse local a temperatura de até 300 milhões de
graus Celsius). Quanto mais próximo alguém estiver deste local, maior será
a gravidade dos danos. Eles são causados por diversos aspectos: uma onda
de calor intensa de uma explosão, pressão da onda de choque criada pela
detonação e precipitação de material radioativo. As partículas radioativas
que chegam ao solo penetram no manancial d’água e são inaladas e ingeridas
por pessoas a uma distância considerável do local de detonação da bomba.
Alguns dos problemas de saúde ocasionados pelo material radioativo
incluem: náusea, vômitos e diarréia; catarata; perda de cabelo; perda de
células sanguíneas. Estes problemas freqüentemente aumentam o risco de
ocorrência de leucemia, câncer, infertilidade, deficiências congênitas,
dentre outros males.

O Tratado de Não Proliferação Nuclear, adotado em 1967, teve o objetivo de
“congelar” a posse de armas nucleares às cinco potências nucleares da
época: Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China. Na
prática, o que se verificou foi o inverso, com os esforços de vários
países, dentre eles a Índia, o Paquistão e Israel, de produzir armas
nucleares, agravando os problemas de proliferação nuclear e criando sérios
transtornos no cenário internacional. Lembremos do caso do Iraque acusado
de produzir armas nucleares, justificativa usada como uma das causas da
sua invasão. Outros países também tiveram a iniciativa de produzir
armamentos nucleares, como a África do Sul, Líbia, Irã e Coréia do Norte.
Até o Brasil e a Argentina desenvolveram atividades nessa direção durante
o período militar.

Mesmo não havendo provas definitivas de que o nosso país esteja
construindo armas nucleares, eventos e pronunciamentos em passado recente
levam-nos a crer que o Brasil “recomeçou a flertar” com a idéia de
produzir uma bomba atômica, após tentativas anteriores mal sucedidas
durante o regime militar. Nos últimos anos diversas autoridades, como o
vice-presidente da República José Alencar e o ex-ministro de Ciências e
Tecnologia Roberto Amaral (quando no cargo), declararam a necessidade do
país dispor de armamento nuclear para defesa preventiva e de suas
riquezas, como fator de dissuasão e para impor mais respeitabilidade.
Também o documento sobre a Estratégia Nacional de Defesa lançada em 2008,
afirma a “Independência nacional, alcançada pela capacitação tecnológica
autônoma, inclusive nos estratégicos setores espacial, cibernético e
nuclear. Não é independente quem não tem o domínio das tecnologias
sensíveis, tanto para a defesa como para o desenvolvimento”. Embora a
Constituição diga que toda atividade nuclear em território nacional
somente será admitida para fins pacíficos, o assunto está longe de ser
considerado um tabu.
A ressurreição do Programa Nuclear Brasileiro é mais um dos indícios da
estratégia governamental de tornar o Brasil uma potência atômica. O
dinheiro empregado no programa, para a construção e funcionamento de novas
usinas núcleoelétricas, permitirá a lubrificação de todas as suas
engrenagens. A cada usina que construímos aumentaremos o volume de urânio
que produzimos, aumentando assim o saldo com que se espera entrar
definitivamente como sócios no Clube Atômico, e para tal é necessário ter
a bomba atômica.
O Brasil pela exuberância e diversidade de fontes energéticas renováveis
disponíveis em seu território, não precisa da energia nuclear para atender
a demanda de energia elétrica, e assim, pode adotar opções mais atraentes
do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Abrir mão da energia nuclear significa um importante passo para evitar o
perigo de uma nova onda de proliferação nuclear, dada a natureza dual da
energia nuclear, que se presta tanto para aplicações pacíficas como
militares, sem falar dos problemas físicos de segurança nuclear. Não
devemos nos esquecer do que afirmou o físico Robert Oppenheimer,
responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o
Brasil, em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e
outra para a guerra, está mentindo”.

José Goldemberg: “O Brasil quer a bomba atômica”

05/07/2010

Para o físico, ao defender o direito nuclear do Irã, Lula deixa a porta aberta para fazer a bomba Peter Moon

O Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1998, durante o governo FHC. O tratado tem 189 signatários. Entre as exceções estão Israel, Paquistão, Índia e Coreia do Norte – países detentores de arsenais nucleares. Desde 2008, os Estados Unidos pressionam o Brasil a assinar o Protocolo Adicional do TNP. Mais restritivo, o protocolo obriga os países a abrir quaisquer instalações suspeitas à inspeção. O Irã não aderiu e construiu uma usina secreta, revelada em 2009. O Brasil se recusa a assinar o protocolo e defende o direito do Irã de ter a energia nuclear – oficialmente apenas para fins pacíficos. Para o físico José Goldemberg, uma autoridade internacional em assuntos de energia, essas são evidências, somadas a outras, de que o Brasil busca a posse de armas nucleares.

ENTREVISTA – JOSÉ GOLDEMBERG

QUEM É

Gaúcho de Santo Ângelo, José Goldemberg, de 82 anos, é físico nuclear

O QUE FEZ

Foi reitor da Universidade de São Paulo (1986-1990), ministro da Educação (1991-1992), secretário federal da Ciência e Tecnologia (1990-1991) e do Meio Ambiente (1992)

PRÊMIOS

Prêmio Volvo do Meio Ambiente (2000) e Prêmio Planeta Azul (2008), o “Nobel” do Meio Ambiente

ÉPOCA – Por que o senhor afirma que o governo Lula vê com simpatia a posse da bomba?

José Goldemberg – Motivos não faltam. Eles vão desde o apoio ao programa nuclear do Irã até as declarações de membros do primeiro escalão, como o vice-presidente José Alencar. Ele defende o desenvolvimento de armas atômicas. Parece uma volta aos tempos da ditadura.

ÉPOCA – Qual era a posição dos militares com relação à construção da bomba?

Goldemberg – O governo Geisel fez o acordo nuclear com a Alemanha. Era caríssimo. Previa a construção de oito reatores com grau crescente de nacionalização. Cobria todas as etapas da tecnologia nuclear, incluindo o enriquecimento e o reprocessamento de urânio. Lê-se na ata de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, em 1975, que o projeto era para fins pacíficos, mas seria mantida aberta a opção militar. Do ponto de vista técnico fazia sentido. Para quem domina o ciclo nuclear pacífico, o militar não é tão diferente. Claramente, em 1975, o governo deixou a porta aberta para fazer armas nucleares.

ÉPOCA – O programa não andou.

Goldemberg – A Alemanha iria repassar a tecnologia de supercentrífugas para enriquecer urânio, mas os EUA vetaram. Em troca, os alemães ofereceram outra tecnologia, experimental e duvidosa, a das centrífugas a jato. Aí veio a crise dos anos 1980, tornando o programa nuclear inviável. Das oito usinas, só Angra 1 saiu do papel (em 1984). No governo Sarney, em 1986, revelou-se a existência do poço cavado pelos militares para testes nucleares subterrâneos na Serra do Cachimbo, no Pará. Em 1988, a nova Constituição proibiu o uso da energia nuclear para fins militares. Em 1990, o governo Collor contrariou os militares ao desativar o programa nuclear do Exército e da Força Aérea. A Marinha continuou enriquecendo urânio, nominalmente para fins pacíficos – e sonhando com o submarino nuclear. Em 1998, o governo Fernando Henrique aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear.

ÉPOCA – O que prevê o TNP?

Goldemberg – Foi criado em 1968 para impedir a proliferação de armas nucleares. Sua posse ficou restrita às potências que já as possuíam: EUA, União Soviética, Inglaterra, França e China. O TNP visa o desarmamento nuclear e o uso pacífico da energia nuclear. Até hoje deu certo. Nenhuma bomba foi usada desde 1945. Os americanos cogitaram usar na Guerra da Coreia (1950-1953) e na Indochina, em 1954, para evitar a derrota francesa. A Crise dos Mísseis de 1962 foi o auge da Guerra Fria. Os EUA e a União Soviética tinham 65 mil ogivas. Hoje, EUA e Rússia têm 2 mil cada um.

ÉPOCA – Como é a fiscalização do TNP?

Goldemberg – É feita pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Ela tem acesso às instalações nucleares oficiais dos signatários – não às secretas.

ÉPOCA – Como assim?

Goldemberg – A AIEA só pode fiscalizar instalações oficiais. O TNP não permite à AIEA investigar instalações suspeitas. Os EUA temiam o desenvolvimento de programas nucleares secretos no Iraque, no Irã e na Coreia do Norte. Em 1997, criou-se o Protocolo Adicional do TNP. Ele autoriza inspecionar qualquer instalação passível de uso nuclear – como o reator secreto do Irã, revelado em 2009.

ÉPOCA – O Brasil apoia o direito do Irã de desenvolver energia nuclear para fins pacíficos. Há relação com o protocolo?

Goldemberg – Claro. Desde 2008, os EUA pressionam o Brasil a assinar o Protocolo Adicional. O governo se recusa. O Irã de hoje poderá ser o Brasil de amanhã.

ÉPOCA – O secretário de Assuntos Estratégicos, Samuel Guimarães, diz que “foi um erro assinar o TNP” porque a Constituição brasileira já proíbe o uso militar do átomo.

Goldemberg – Ele tem razão. Mas, se um dia algum governo decidir mudar a Constituição, não abrirá nenhum precedente. A Constituição de 1988 é a oitava desde a Independência e acumula 62 emendas. Em comparação, os EUA têm a mesma Constituição desde 1776, só com 27 emendas, e a Inglaterra nem Constituição escrita tem. Quando pressionam Brasília a assinar o protocolo, as potências devem estar olhando com atenção nosso histórico constitucional. ”O silêncio de Lula encoraja a desconfiança de que o Brasil teria intenções de fazer armas nucleares para exercer sua soberania”

ÉPOCA – Ter o submarino nuclear na defesa do pré-sal é o argumento do ministro da Defesa, Nelson Jobim, contra a assinatura do protocolo.

Goldemberg – Não assinar o protocolo pode tornar o Brasil alvo de sanções internacionais, como as impostas ao Irã pelas Nações Unidas (ONU).

ÉPOCA – Nossa economia é muito maior e mais diversificada que a do Irã. Neste cenário, qual sanção teria efeito contra o Brasil?

Goldemberg – A ONU pode congelar os bens e as contas bancárias brasileiras no exterior, paralisar o comércio externo e barrar transferências de tecnologia. Se nossa economia é maior e estamos mais integrados ao mundo, isso nos torna mais vulneráveis às sanções, não menos.

ÉPOCA – O vice-presidente José Alencar disse o seguinte: “Arma nuclear usada como instrumento dissuasório é de grande importância para um país com 15.000 quilômetros de fronteiras e um mar territorial com petróleo na camada pré-sal. Dominamos a tecnologia nuclear. Temos de avançar nisso aí”.

Goldemberg – Alencar pode dizer o que quiser. Ele foi eleito, não é um político nomeado. Mas não concorrerá às eleições. Está doente e no fim da vida. O que me preocupa é ver o ministro da Defesa e o secretário de Assuntos Estratégicos, auxiliares diretos do presidente da República, se manifestarem contra o Protocolo Adicional. Em nenhum momento o presidente veio a público desautorizá-los. O silêncio de Lula encoraja a desconfiança de que o Brasil teria intenções de fazer armas nucleares para exercer sua soberania. O Brasil quer a bomba.

ÉPOCA – Alencar vê a posse da bomba como uma via de acesso ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Ele citou o exemplo do Paquistão, um país pobre, mas com assento em vários organismos internacionais.

Goldemberg – Não me parece que passe pela cabeça de alguém de bom-senso ceder ao Paquistão uma vaga no Conselho de Segurança. O Paquistão é uma fonte de preocupação. Está em guerra civil. Suas instituições estão desmoronando e parte do território caiu sob controle da guerrilha islâmica e da rede Al Qaeda. Se o Paquistão deixar de existir, quem será o primeiro a tentar pôr as mãos numa de suas bombas? Osama Bin Laden.

ÉPOCA – Temos gente para fazer a bomba?

Goldemberg – Sim, muita. A tecnologia não é nova. Havendo vontade governamental e recursos, bastaria alguns anos.

ÉPOCA – Não basta ter a bomba. É preciso meios de lançá-la.

Goldemberg – O governo retomou o projeto de lançador de satélites. Se existisse, poderia levar ogivas.