Após parecer contrário ao licenciamento por parte de seus técnicos, a Comissão Nacional de Energia Nucelar (Cnen) manobra para licenciar Angra 3 sem considerar aspectos essenciais de segurança
Um relatório incompleto foi entregue pela Eletronuclear à Cnen e a análise deste documento resultaria, em 31 de maio de 2010, na licença para construção da nova usina. A história envolve um programa misterioso, relações comprometidas entre empresas e órgão fiscalizador e outros fatores.
Em 2007 e em 2008, o documento foi revisado, deixando de lado pontos importantes como a análise probabilística de segurança e acidentes severos. Os critérios para gerenciamento de acidentes também não constam no projeto, evidenciando a falta de protocolos em caso de acidentes.
Angra 3 é um reator Konvoi alemão, desenhado na década de 70, antes dos grandes acidentes nucleares e, portanto, sem as melhorias advindas a partir desses
grandes acontecimentos e de 40 anos de avanço tecnológico.
Da forma como está não seria aceito para uso em lugar algum do mundo por ferir diferentes normas nacionais e internacionais.
Um dos técnicos responsáveis pelo licenciamento de Angra 3 – que deu parecer contrário e agora passa por sindicância interna, como forma de repressão por
ter falado aos jornais – denuncia: “Os critérios de segurança pós-TMI exigem, entre outras coisas, um novo projeto para o edifício do reator de Angra 3, com requisitos
adicionais para a contenção, última barreira contra a liberação de material radioativo”(Jornal do Brasil, 31/03/2010).
Este licenciamento, sem considerar a segurança e tentando burlar a lei colocando os relatórios essenciais de segurança como condicionantes, é o maior exemplo do descaso que o programa nuclear tem com a população. Precisamos de transparência no setor.
A Cnen poderá incluir em sua página da internet os documentos de engenharia comprobatórios. Por que não? Isto é transparência do licenciamento.
Nos Estados Unidos, a Nuclear Regulatory Commission (NRC) divulga a documentação de licenciamento das usinas nucleares americanas há décadas. Basta ir à página
na internet (www.nrc.gov) e verificar as informações.
A verdade é que o programa nuclear está com pressa. A progressiva redução dos preços de energias renováveis, limpas e seguras, pode descartar a tecnologia nuclear no futuro.
Refazer contrato, projeto e licença pode demorar muito tempo. Pode inviabilizar o projeto de Angra 3.
Pode até mesmo sair mais caro que um novo e moderno reator, caso o fabricado na década de 1970 tenha que ser redesenhado.
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Ricardo Baitelo
Engenheiro Elétrico e coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace Brasil.
André Amaral
Biólogo e coordenador da campanha de energia nuclear do Greenpeace Brasil.
Fonte: Revista do CREA-RJ 83